Deuses cósmicos, surfistas espaciais e a nossa necessidade de Deus. A resenha de Surfista Prateado: Parábola.

A capa de Parábola
“- Você passou tempo demais entre os irracionais humanos. 
Começou a se comportar como eles. 
Embora ocorram inúmeras mortes todos os dias, 
eles insensatamente tratam cada uma 
como se importasse no esquema 
cósmico das coisas.
- O que o faz dizer que não importa? Se a vida é a dádiva 
mais preciosa de todas, a perda de vidas 
não é um problema de conseqüências 
monumentais?”

Algumas vezes, durante a nossa vida, surge algo que representa claramente o que nós pensamos, como se outra pessoa, através de seu trabalho, concretizasse aquilo que nós mesmos temos dificuldade de expressar. Para mim, não é surpresa que isso, muitas vezes, aconteça através dos quadrinhos, já que é um meio com o qual eu me identifico. Isso aconteceu novamente.

Tio Lee
Semanas atrás, eu tive em mãos Surfista Prateado: Parábola. Veja bem, não é uma história nova. Parábola é um encontro artístico ocorrido no final dos anos 80, entre Stan “The Man” Lee e Moebius e, se você saca um pouco de quadrinhos, conhece os caras, certo?

Stan Lee é o responsável pelas bases do que conhecemos hoje como o Universo Marvel, esse conceito de integração entre os vários personagens da editora (muitos com conceito original desenvolvido pelo próprio Stan). Eu poderia fazer um post inteiro sobre ele, mas basta dizer que ele criou os X-Men (em parceria com Jack Kirby) e o Homem-Aranha (com Steve Ditko). Ele é o velhinho que faz ponta em quase tudo que sai da Marvel.

Moebius
Moebius (1938-2012), cujo nome verdadeiro é Jean Giraud foi um quadrinista francês, extremamente conceituado na face cult dos quadrinhos, com um traço bem próprio, diferenciado do estilo “comic” ao qual estamos acostumados. Conhecido pelas obras Blueberry e Incal, Moebius também foi responsável pelo visual de filmes como O quinto elemento (1997), O segredo do abismo (1989) e Willow (1988).

Parábola surgiu de um encontro entre os dois gigantes, em 1988, numa feira do livro, onde Stan batalhou um almoço com o quadrinista francês. Proposta a parceria, Moebius contou que gostaria de trabalhar com o Surfista Prateado.

Assim, juntos, resolveram escolher um tema complexo até hoje: religião. Na história, a humanidade não está mais acostumada a heróis e segue seu caminho próprio, em meio a guerras e luta por poder. O próprio Surfista Prateado vive escondido, como mendigo, em meio aos humanos. Contudo, a chegada de Galactus parece por fim a esse cenário.

Uma amostra da arte
Galactus e o Surfista haviam firmado um pacto de que o devorador de mundos não atacaria a Terra para saciar sua fome e o Surfista abriria mão de voar pelo universo para servir como guardião da raça humana. Porém, quando Galactus retorna, ele não rompe o juramento. Ele não veio para se alimentar do planeta, mas sim para se declarar um deus entre os mortais. Ele diz que os humanos não devem se submeter à leis que limitem suas vontades e que devem buscar a satisfação de seus desejos. Com isso, o caos se instaura.

Ao mesmo tempo, um tele-evangelista se aproveita da chegada da entidade cósmica e se declara profeta de Galactus, utilizando o nome do devorador para angariar seguidores e devoção, chegando a cometer atos questionáveis para se manter na posição de líder religioso.

Em meio a questões filosóficas, Lee e Moebius nos levam a uma reflexão sobre nossa sede por um propósito divino para nossa existência, sobre a necessidade de uma orientação etérea sobre nossas condutas e, mais que isso, sobre a suscetibilidade da grande maioria das pessoas a uma liderança religiosa que lhes diga o que é certo e o que é errado.

Mais que isso, questiona também os líderes a quem damos esse poder, seus propósitos às vezes tão distante dos ideais que alegam representar e os perigos que uma fé cega pode gerar quando aliada à falta de um senso crítico.

Religião, moral, fé. Parábola é mais que quadrinhos, é uma obra de filosofia. O título escolhido não foi à toa. Parábola traz sim uma mensagem relevante, que consegue se manter atual, mesmo 15 anos após sua publicação original.

A arte é linda. Moebius tem um traço que consegue transmitir tanto a fluidez do Surfista Prateado quanto a solidez de Galactus, não se esquecendo de contextualizar a época em que a história foi escrita,porém com um estilo de narração visual bem mais europeu, ou seja, fluído, com coloração leve.

A opinião final é de que sim, vale MUITO a pena!
Por quê? Eu também me pergunto...


LEE, Stan. Surista Prateado: Parábola. Roteiro: Stan Lee; arte: Moebius; Tradução: Eduardo Tanaka e Bernardo Santana. Barueri: Panini Books, 2013.
92 páginas
Preço sugerido: R$ 21,90.





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